quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

por onde começar, se é preciso?


estou mudo, e procuro por entre as falas uma forma de dizer essa mudez - a palavra, e perdido na fala porque falta-me, talvez, uma língua sem muros. "a mulher, que podia ser a do sonho de ontem entra e, debruça sobre mim, começa a ler um texto.” - o que me amplifica, quando sinto-me tocado pela sua voz e o movimento simultâneo da escrita-leitura. penso em como dizer, repassar, discorrer sobre as reticências, construir intratextos: a única forma agora de estar em combinação com essa matéria.

a matéria, manta, tecido que não me cobre, mas me penetra em suas fissuras, cria outro agora embora faça parte desse instante já. continuo porque, dada a impossibilidade, “eu nunca mais acabo de levantar a cabeça”, levanto a ponta espalmada da minha vontade, estendo-a num gesto forte, como quem pode tocar o osso da palavra. e atravesso com a  agulha, não afim de me apressar ou entender de que ponto parte o fio, quando a direção e o alvo dessa trama não são mais vibrantes que o percurso traçado pela linha no caminho.

há muito estou nisso, exatamente nesse ponto. aprecio o pouco ocupante do espaço entre as laterais de uma página, e o limite que faz a borda é o lugar de ultrapassagens. eu o admito mesmo desentendendo o fio. aprecio um imenso nada que ocupa minha vontade de entendimento, aprecio a borda, a peça de roupa que do corpo toma forma.

escrevo e leio por fruir, subtrair, abstrair o prazer ou a prática de escrita se é ela o “duplo de viver”, se “a escrita e o medo são incompatíveis”. sabe o olhar menos propositado, esse que vislumbra a paisagem e assim, o registro da figura, antes mesmo da construção da imagem registrada?  - é esse olhar que pulsa, nessa forma desdizer. sabe esse traço chegado à mão, antes da tipografia, o que acompanha o gesto, a respiração da voz saindo do interior de um corpo ? - assim conduzo o olhar sobre essa superfície, a vibração que toma uma página e sua natureza: o papel suave e vegetal.

eu decido, ainda e mais ainda, indefinitivamente, que meu texto é sopro. que vento é o lugar nenhum em que me encontro, e o mesmo que toca todas as partes do meu corpo nu. escrevo a leitura, como quem já tecido amplifica, prossegue o emaranhamento, trança as formas e as páginas: “são estes os átomos do texto, e eu estou em combinação com eles”; como quem se percebe lacuna interdita e encontra no sexo de ler uma efêmera força de des/entendimento, de extensão de um corpo partido, de paralelo, de sensual, figural e fulgor, de saber “em que real se entra”, da liberdade dependente, de não se poder nomear, da “parte do entendimento que desconheço” e da certeza que em conjunto compreendo, de que “o texto era um ser”.

carta para com Llansol,
citações de “Um Falcão no Punho” - Diário 1
                                                    

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